Intervenção Coronária Percutânea
As técnicas de intervenção terapêutica coronária iniciaram-se com a realização da primeira ACTP (angioplastia coronária transluminal percutânea), em 16 de Setembro de 1977. A técnica consiste em dilatar com um balão apropriado as estenoses das artérias coronárias, por via arterial percutânea, restabelecer o lúmen e consequentemente o fluxo coronário adequado. Atualmente, após terem surgido novas técnicas afins para além da angioplastia de balão, designam-se mais correntemente estes métodos terapêuticos por ICP.
Os anos que decorreram após a realização do primeiro procedimento foram de grande dinâmica, o desenvolvimento tecnológico foi enorme, adquiriu-se experiência e expandiu-se muito a sua utilização.
A evolução que se verificou permitiu facilitar os procedimentos e torná-los mais seguros, o que, em conjugação com uma maior experiência, foi motivo determinante para aumentarem as indicações e consolidar a afirmação deste método terapêutico como alternativo/ complementar da terapêutica médica ou cirúrgica. Os fatores principais responsáveis pela referida evolução foram:
—> O constante aperfeiçoamento do material utilizado (cateteres guias, fios guias, balões, stents).
A implementação de novas tecnologias afins da ACTP, próteses endovasculares (stents), aterectomia de direccional, aterectomia de extracção (TEC), aterectomia rotacional (rotablater), laser excimer, e a radiação intracoronária (braquiterapia). A utilização dos stents foi, de todas estas técnicas, a que maior impacto teve e que mais se expandiu, e isto porque reduziu drasticamente a taxa de oclusão aguda e diminuiu a incidência de reestenose. Atualmente em cerca de 95% das ICP colocam-se stents, quer diretamente, quer após dilatação com balão. A braquiterapia criou alguma expectativa na tentativa de controlo da reestenose, mas a sua utilização não chegou a expandir-se, devido ao desenvolvimento recente dos novos stents revestidos com fármaco e aos resultados com eles obtidos. As restantes tecnologias referidas não corresponderam às expectativas iniciais, particularmente no que respeita ao controlo da reestenose; a sua utilização limita-se a um nicho específico de indicações, a mais utilizada é a aterectomia rotacional (rotablater).
Os novos antiagregantes plaquetários na terapêutica farmacológica adjuvante da ICP, particularmente o abciximab (bloqueador dos recetores das glicoproteínas Ilb/IIIa), mas também o clopidogrel. Conhecido o papel determinante das plaquetas na fisiopatologia da oclusão arterial aguda que ocorre quer como complicação da ICP, quer nas síndromes coronárias agudas, é facilmente compreensível a importância que tem dispormos destes potentes antiagregantes plaquetários que atuam como bloqueadores dos recetores das glicoproteínas Ilb/IIIa. Permitem diminuir o risco de intervenções em lesões mais complexas e atuar com melhores resultados em situações clínicas instáveis, como sejam a AI e o EAM. A sua utilização influenciou a abordagem atual destas situações.
Inicialmente as indicações para a ACTP limitavam-se a situações clínicas estáveis em que havia doença de um vaso com estenose proximal e morfologia favorável. Com a evolução referida e a experiência dos operadores, as indicações foram gradualmente aumentando. É opção terapêutica nos diversos quadros clínicos, isquemia silenciosa, AE, AI e EAM. A ICP primária nas primeiras horas do EAM é uma alternativa à terapêutica trombolítica com vantagem já demonstrada. Também se utiliza, quando há falência de reperfusão com a trombólise, ICP de recurso. Naturalmente que a sua aplicação está limitada às instituições com equipamento e capacidade logística para o efeito, que passa por ter equipas em prevenção permanente. As indicações também evoluíram no que respeita às características angiográficas da doença, tendo-se alargado a lesões mais complexas, inclusivamente a oclusões, a doença multivaso, a estenoses em bifurcações e a estenoses em pontagens. A indicação para ICP é determinada pela avaliação de vários fatores, aspetos clínicos, demonstração de isquemia, características angiográficas e função ventricular esquerda. Procura-se avaliar a probabilidade de sucesso da intervenção e o seu risco. É importante considerar a complexidade angiográfica de cada lesão e a quantidade de músculo que está em risco. A decisão sobre a melhor opção terapêutica é sempre individualizada, procurando-se, para cada indivíduo a cada momento da história natural da doença, escolher a terapêutica mais adequada.
A ICP faz-se atualmente com uma taxa de sucesso primário superior a 95%, mais baixa em lesões complexas tipo B2 e tipo C, e um risco de complicações major inferior a 3%. Não havendo complicações, o tempo de internamento é inferior a 24 horas. Quando se utilizam os bloqueadores dos recetores das glicoproteínas Ilb/IIIa, verificam-se as plaquetas nos dias seguintes, pois estes podem provocar trombocitopenia. Após a intervenção, os doentes ficam sob terapêutica antiagregante plaquetária dupla, habitualmente AAS e clopidogrel, que se prolonga durante 12 a 18 meses quando se utilizam stents com fármaco, em que a endotelização se processa mais lentamente e o risco de trombose tardia é maior. Após este período passam a fazer apenas um antiagregante plaquetário. O hemograma deve ser controlado. No seguimento, após o procedimento, os pacientes devem fazer uma prova de avaliação de isquemia durante o primeiro mês, e entre o quarto e o sexto meses. Em caso de reaparecimento de sintomas ou de evidência de isquemia nos referidos exames, são recateterizados para se avaliar da existência de reestenose. As principais limitações da ICP são a oclusão aguda, a trombose subaguda e tardia e a reestenose.
A oclusão aguda é responsável pelas principais complicações do procedimento, para além das complicações vasculares (hemorragia, hematoma, falso aneurisma), e que são a necessidade de cirurgia de emergência, o EAM e a morte. A oclusão aguda, definida como a súbita oclusão do vaso alvo durante ou após a intervenção, teve nos primeiros anos uma incidência de 4 a 8%, sendo os mecanismos fisiopatológicos responsáveis a dissecção (80%), a trombose (20%) e o espasmo coronário. Atualmente, com uma estratégia de otimização do resultado recorrendo cada vez mais à colocação de stents, e dispondo também dos novos antiagregantes plaquetários, a incidência diminuiu muito, tendo deixado de ser um problema relevante do procedimento. Quando surge, resolve-se habitualmente no laboratório de angiografia recorrendo aos stents (sucesso >90%). A trombose de stent tem uma incidência de 0,4 a 1,2%. A trombose subaguda (ocorre no 1.° mês após o procedimento) resulta de mal aposição do stent ou da descontinuidade da terapêutica antiagregante plaquetária dupla. A trombose tardia é um problema atual, mantém a controvérsia sobre a superioridade ou não dos stents com fármaco, e também sobre qual a duração mais adequada da terapêutica com AAS e clopidogrel.
A reestenose continua a ser uma limitação da ICP. Define-se como uma estenose >50% do diâmetro no controlo angiográfico efectuado no seguimento após a ICP. Ocorre habitualmente entre os 4 e os 6 meses. E consequência do procedimento efetuado e não da progressão da doença aterosclerótica. Resulta da remodelação da artéria e da proliferação de tecido muscular liso. Provoca recorrência de sintomas, novos eventos, reinternamentos, reintervenções percutâneas ou cirúrgicas e o consequente acréscimo de custos.
A incidência atingia em diferentes séries 25 a 40% na angioplastia de balão. O advento dos stents permitiu diminuir substancialmente a sua incidência, baixando as taxas de reestenose para valores inferiores a 20% com os stents convencionais. Em 2002 foi comercializado o stent Cypher, o primeiro stent com fármaco antiproliferativo (sirolimus) com excelentes resultados, diminuindo a taxa de reestenose para valores de 4 a 8%. Entretanto, outros stents com diferentes fármacos e com características específicas ficaram disponíveis no mercado. Tem havido sucesso na luta contra a reestenose, mas esta continua a existir e com outra faceta colocada pela reestenose intra-stent. Mantém-se assim intensa a investigação nesta área, procurando diminuir ainda mais as taxas de reestenose, resolver a questão da trombose tardia, questão esta que, pela necessidade de dupla antiagregação prolongada, se relaciona também com as dificuldades que se nos colocam na prática clínica, quando estes doentes surgem com outras patologias que necessitam de biopsia ou de cirurgia.